Por Arine R. Alves
Ao refletir sobre os temas que envolvem políticas públicas e gênero, entre as questões a serem discutidas estão gênero e hierarquia social. Todos sabem que a população distribui funções, muitas vezes baseadas no gênero e assim estabelece uma hierarquia social. Quando alguém deixa de agir conforme esta conduta pré-estabelecida, empreende um processo de transição do masculino para o feminino ou do feminino para o masculino, que pode acarretar em situações de violência e discriminação apoiadas pela falta de igualdade de gêneros.
Quando o assunto é hierarquia social, baseada em gênero, é imediato lembrar que desde a infância o ser humano é colocado em situações que claramente diferenciam o feminino do masculino, dando a estes a idéia de que ambos têm funções e papeis diferentes. Na cultura ocidental moderna, a diferença de sexo é o fator principal de identidade de gêneros. Homens e mulheres são seres diferentes e estes desenvolvem ações, emoções, condutas e vocações totalmente distintas. Segundo Gagmon e Simon (1973) o modo como os homens agem é fruto de um intenso aprendizado sociocultural que ensina aos demais agir de acordo com as determinações de gênero. A mulher, desde muito cedo é lembrada por seu papel de reprodutora, por seu corpo ser o único a exercer esta função, a ela acaba sendo atribuídas tarefas como cuidar da casa e das pessoas da família. Aos homens cabe o trabalho, funções como dirigir, sustentar a prole, chefiar, consumir bebidas alcoólicas, fumar, entre outras que não são totalmente aceitas quando praticadas pelo público feminino, sendo vistas como algo errado, feio para a mulher. O cuidado com a prole é sempre atribuído as mulheres.
Como afirma Barbieri (1991), várias linhas de interpretação a respeito das relações de gênero, apontam que o fato do homem ser o responsável por fecundar a mulher é a origem da desigualdade existente entre os gêneros em muitas culturas. Assim inclui-se o conceito de interseccionalidade, um encontro entre dois pontos, vivências sociais muito diferentes para homens e mulheres em uma mesma sociedade.
O ser humano cresce em meio a culturas que estabelecem conceitos onde existem situações para meninos e para meninas, e principalmente, quais são os comportamentos não permitidos a cada um deles. Entre eles existem dois mundos muito diferentes, a mulher vive no mundo da reprodução, enquanto o homem vive no da produção. Assim fica padronizado que o lugar da mulher é em casa e o do homem na rua. Esta forma de estabelecer diferença entre os gêneros ajuda a compreender como foram organizados os espaços públicos e a vida privada dos indivíduos.
Neste contexto, é preciso listar algumas divisões visíveis na sociedade. A primeira delas é a divisão sexual do trabalho, todas as sociedades possuem a sua forma de dividir o trabalho entre homens e mulheres, porém quando estas trabalham, todas permitem que as funções ligadas à reprodução sejam realizadas. Mudanças societárias estão ocorrendo e estas relações e papeis estão sendo modificados e identificados em três setores antes pertencentes ao universo masculino: o mercado de trabalho, a escolaridade e a participação política. Segundo o conceito de assimetrias de gênero, há na sociedade uma disparidade de poder entre o homem e a mulher. O movimento feminista mostrou as desigualdades de gênero presentes em vários espaços da sociedade:
- Na produção científica: o gênero tem sido usado para classificar as vocações de homens e mulheres. Áreas como a Física e a Matemática, durante muito tempo foram consideradas disciplinas apropriadas para homens. O conceito de laterização cerebral, que enfatiza que a mulher, ao contrário do homem, utiliza muito mais o lado direito do cérebro, fato este que resulta em uma maior inclinação para atividades comunicativas e explica a facilidade feminina de estar atenta a várias coisas ao mesmo tempo. Enquanto o homem é unidirecional, foca sempre em um único ponto são geralmente mais exatos.
- No mercado de trabalho: no Brasil, o mercado de trabalho durante décadas foi um espaço masculino. Atualmente a presença constante da mulher é cada vez mais expressiva, porém isso contribui para expor as desigualdades e as discriminações quando são comparadas aos homens. Hoje, muitas mulheres são as principais provedoras do lar, quando não são as únicas, mas muitas delas ainda optam por funções e profissões que tenham algo em comum com o ambiente doméstico, o que demonstra claramente a hierarquia de gênero que a sociedade estabelece e segue. É recente na legislação civil o reconhecimento da “pessoa de referência da família”, função esta antes atribuída exclusivamente aos homens.
- No espaço escolar: o público feminino só teve acesso ao ensino superior em 1870. Hoje, esse público ultrapassa o masculino nas instituições, pois as mulheres agora inseridas no mercado de trabalho procuram uma melhor qualificação profissional, buscam melhores trabalhos e salários, porém não existe igualdade salarial entre os gêneros. Muitas vezes, o nível dessa desigualdade apenas diminui, enquanto em outros casos se intensifica. As questões de raça também ajudam a aumentar essa desigualdade.
- Na organização da vida pública: No universo brasileiro, as mulheres só tiveram acesso ao voto em 1932. As primeiras a conquistarem um cargo político surgiram em 1933. Em 2011, uma mulher chega à Presidência da República. Existe uma tendência a baixa representação das mulheres no mundo político, mas este fato não é exclusividade brasileira. As organizações sociais no espaço público são estabelecidas por uma constante hierarquia de gênero, onde lugares, direitos e deveres são atribuídos a cada um dos sexos.
O conceito de socialização diferencial de gênero explica que o primeiro estágio de socialização do ser humano acontece dentro da família. É dentro do contexto familiar que a desigual distribuição de tarefas domésticas entre meninos e meninas, a entrega brinquedos diferentes para filhos e filhas e principalmente as permissões diferentes para ambos, deixa impresso nestes seres em formação o conceito de que existem coisas próprias para homens e outras para mulheres e que estes têm funções distintas.
Quando o assunto é organização da família, percebe-se que é regida por uma hierarquia moral, onde posições sociais, deveres e obrigações são estabelecidos e distribuídos conforme os conceitos passados de geração em geração. As mulheres, ao poder ter uma vida sexual, escolher ou não ser mães, planejar a maternidade e decidir a quantidade de filhos, tiveram um forte impacto em suas vidas, pois assim elas puderam organizar seu cotidiano familiar e ter a possibilidade de aspirar novos rumos, além das funções domésticas.
A pílula anticoncepcional surge na segunda metade do século XX, trazendo pra as mulheres a possibilidade de controlar a reprodução, mas estes direitos não estão acessíveis a todas, por questões de falta de informação, financeiras, culturais, religiosas, entre outras, que ajudam a impedir que as hierarquias de gênero sejam enfrentadas. Outro fator que exemplifica a mudança nas relações de gênero são os casamentos arranjados. Antes os casais se uniam por meio de um acordo familiar, hoje é permitido à mulher escolher o se companheiro, mas é preciso lembrar que muitas nações ainda utilizam o acordo como base para o casamento.
Transformações societárias vêm modificando a estrutura organizacional da família onde a mulher cuida da casa e o homem trabalha, sustenta a prole, mas ainda é dela a função doméstica e assim, muitas têm que conciliar o trabalho com as atividades do lar. Algumas mulheres, com condições financeiras, dividem essa tarefa com uma funcionária, enquanto outras, que não podem recorrer a este auxilio, dividem-se entre o trabalho e a rotina doméstica. O pensamento de Sorj (2007), expressa que os homens casados agora contam com a ajuda das mulheres em seu papel de sustentar o lar, mas estes não dividem o seu tempo com as atividades domésticas.
Algumas políticas públicas estão sendo aplicadas em países desenvolvidos como a licença do trabalho para cuidar dos filhos sem prejuízo de perda de emprego, a redução do período diário de trabalho, o acesso a creches para deixar as crianças enquanto está no trabalho, em período integral ou parcial. Estas políticas são fundamentais para que as mulheres possam conciliar suas funções, mas são insuficientes e pouco abrangentes, pois sempre recaem sobre elas os custos dos cuidas com a família. Os homens exercem uma dominação sobre as mulheres, a chamada dominação masculina, na qual eles exercem poder sobre ela. Segundo o conceito de machismo latino, ele exerce um prestígio e um poder extremado sobre elas, onde seus costumes e a moral são controlados. Assim, a honra da mulher está ligada à inexistência da experiência erótica e sexual, com diferentes pessoas e caso estas ocorram, não podem ser divulgadas. Ao contrário do que ocorre com os homens, que sua honra está associada ao número de mulheres que este conquista.
Outro conceito importante a ser abordado são os pensamentos androcêntricos brancos e hegemônicos. São posturas analisadas por meio de estudos construídos a partir de ima visão masculina, que ao passar do tempo passa a ser abrangente a homens e mulheres. O negro possui um, corpo estereotipado pela sociedade, onde sua sexualidade é vista como aflorada e assim a visão moral sobre negros e negras, leva ao conceito de que estes são seres dionisíacos, seres vitais, que gostam de bebida, alegres, mantendo uma relação de posicionamento hierárquico destes na ordem racial.
Outro conceito importante a ser abordado são os pensamentos androcêntricos brancos e hegemônicos. São posturas analisadas por meio de estudos construídos a partir de ima visão masculina, que ao passar do tempo passa a ser abrangente a homens e mulheres. O negro possui um, corpo estereotipado pela sociedade, onde sua sexualidade é vista como aflorada e assim a visão moral sobre negros e negras, leva ao conceito de que estes são seres dionisíacos, seres vitais, que gostam de bebida, alegres, mantendo uma relação de posicionamento hierárquico destes na ordem racial.
Ao pensar nesta visão é possível entender o motivo pelo qual o corpo da mulher negra estava presente no imaginário dos senhores de escravos. A imagem que circula na mídia, faz com que a fama da masculinidade negra seja exaltada. Assim, cria-se uma idéia do corpo negro como uma encarnação da alteridade e da diferença e no caso das mulheres acaba relacionado-as ao estigma da luxúria, que não são destinadas ao papel de esposas que está reservado às recatadas, isto é, às brancas, como salienta Congolino (2006).
A defesa dos direitos humanos estabelece uma postura ética e política onde todos possuem igualdade de direitos e estes seres devem ser tratados com respeito e dignidade sem distinção de raça, gênero, religião, origem ou orientação sexual. As desigualdades de gênero e raça são produzidas em meio a grandes diferenças regionais e tradições culturais diversas, por isso, o papel da mulher não é homogêneo, ele varia de acordo com a cultura presente.
O papel de gestor consiste em mostrar para a sociedade que a mulher tem a capacidade de fazer as mesmas coisas que os homens, não existe sexo frágil. É muito comum ainda existirem profissões em que ambos os sexos evitam exercer por preconceito da sociedade, a Pedagogia é um grande exemplo. Todos os anos, várias pessoas ingressam na universidade para fazer o curso, inclusive homens, mas ao final deste, na maioria das vezes somente as mulheres chegam a concluir. É importante conscientizar desde a infância de que não é errado realizar nenhum tipo de atividade, desde que tenha vocação e promover políticas que auxiliem o desvendamento destas injustiças, que busquem melhores condições para que as mulheres sintam-se verdadeiramente seguras em sair do trabalho doméstico e investir em suas carreiras sem medo de estar prejudicando a formação de seus filhos e o bom andamento do lar. É preciso fazer a população masculina entender que se as despesas podem ser divididas, cabe aos homens também dedicar o seu tempo com o trabalho de casa.
Não é correto diferenciar brinquedos entre filhos e filhas, não existe esta história de que meninos brincam com bola e meninas com bonecas. Muitos talentos são reprimidos por essa hierarquia de gênero. O Brasil é o país do futebol, esporte visto predominantemente como masculino, dos gramados à torcida, mas o talento incontestável brasileiro, eleito diversas vezes melhor do mundo, é uma mulher chamada Marta. E mesmo assim, por aqui o futebol feminino não é tão exaltado.
Enquanto profissional da educação é importante salientar que o trabalho do educador é fundamental na formação do ser humano. A escola deve junto com a família, instruir esse ser em formação para entender que essas diferenças de gênero existem, mas que não devem estabelecer condutas, padrões de vida, de moral. O Brasil vive um momento extraordinário na luta pela quebra dessas desigualdades, posições antes ocupadas por homens e em instituições aparentemente voltadas para o público masculino estão sendo geridas por mulheres. Dois grandes exemplos desse momento merecem destaque: Patrícia Filler Amorim e Dilma Vana Roussef.
Segundo informações obtidas no site http://pt.wikipedia.org, Patrícia Amorim, era nadadora. Parou de nadar em 1991, encerrou sua carreira nas piscinas da Gávea no Flamengo. Foi eleita em 2000 com 24.651 votos para a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Foi reeleita em 2004 e 2008. Em sete de dezembro de 2009 foi eleita presidente do Clube de Regatas do Flamengo, com um total de 792 votos de 2.342 possíveis, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo no país. O Clube de regatas do flamengo possui a maior torcida do Brasil, possui várias modalidades esportivas, porém o futebol é a mais aclamada.
Dilma Roussef em 2002 participou da equipe que traçou o plano de governo do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a área energética. Em seguida, foi escolhida para ocupar o Ministério de Minas e Energia onde trabalhou até 2005, quando chegou ao cargo de ministra-chefe da Casa Civil. Segundo a Revista Época (2009), em 2009 ela aparece entre os 100 brasileiros mais influentes do ano. Em 2010, foi eleita presidente do Brasil, cargo a nunca antes ocupado por uma mulher na história do país. Obteve 55.752.529 votos, que contabilizaram 56,05% do total de votos válido e em 2001 tomou posse da faixa presidencial. O site, http://ultimosegundo.ig.com.br mostra que no ano de 2011 a revista Times a inclui como uma das 100 personalidades mais influentes do planeta. Em entrevista ao programa Roda Viva ela declara:
… eu acho interessante o fato de que a mulher, quando ela exerce um cargo com alguma autoridade, sempre é tachada de dura, rígida, dama de ferro ou qualquer coisa similar. E eu acho isso, de fato, um estereótipo. É um padrão, uma camisa de força que tentam enquadrar em nós mulheres. (ROUSSEF, Dilma)
Esta reflexão mostra que este é o momento de conscientizar e formar cidadãos que entendam a função da mulher não apenas serem reprodutoras e zeladoras do lar. Ela é capaz de produzir coisas grandiosas, ocupar qualquer cargo, sem deixar de ser mulher. Mas para isso precisam de incentivo e respeito. É preciso acabar com o estereótipo criado e alimentado por gerações, pois estes só contribuem para perpetuar a hierarquia de gênero na sociedade.
Referências Bibliográficas:
BARBIERI, T. de. Sobre la categoría de género. Una introducción teórico metodológica. In: AZEREDO, Sandra & STOLCKE, Verena (orgs.). Direitos Reprodutivos. São Paulo: PRODIR/Fundaç ão Carlos Chagas, 1991.
CONGOLINO, M.L. Sexualidades y Estereotipos Raciales en un Grupo de Estudiantes de La Universidad Del Valle. Dissertação (Magíster en sociología), Facultad de Ciencias Sociales y Económicas, Universidad del Valle, Cali, 2006.
GAGNON, J. & SIMON, W. Sexual Conduct: the social sources of human sexuality. Chicago: Aldine, 2005 [1973].
http://pt.wikipedia.org/wiki/Patr%C3%ADcia_Amorim acesso em: 24 ago.2011
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI108920-17445,00.html acesso em: 24 ago. 2011
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/dilma+esta+na+lista+dos+mais+influentes+de+2011+da+revista+time/n1300093192074.html acesso em: 24 ago.2011
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/151/dilma/entrevistados/dilma_rousseff_2006.htm acesso em: 24 ago. 2011
SORJ, B.; FONTES, A. & MACHADO, D.C. Políticas e Práticas de Conciliação entre família e trabalho no Brasil. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132: 573-594, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 2007.
Por: Arine R. Alves
Ótimo texto, fez mudar totalmente meu pensamento sobre esse assunto importantíssimo do qual todos devem se atentar!
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