O MUNDO É UM MOSAICO DE PONTOS DE VISTA. APRENDEMOS MUITO COM OS PONTOS DE VISTA DOS OUTROS, E PERDER NEM QUE SEJA UM PEDAÇO DESSE MOSAICO É UMA PERDA PARA TODOS NÓS.
(DAVID CRYSTAL)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras: uma Agenda Contra o Racismo

                                                                                                 Por: Arine Rodrigues Alves


           Ao aprofundar-se nos textos da unidade é possível ter uma noção de que no Brasil o movimento negro, em sua versão moderna, surgiu no princípio do século XX, segundo Bastei (1973), quando emergiram na cena pública os primeiros protestos contra o preconceito de cor nos jornais da chamada Imprensa Negra. Nesta mesma época, surgiram iniciativas antirracistas, que tinham como objetivo enfrentar publicamente as manifestações de preconceito das pessoas que impediam a participação de afro-descendentes e que estes exercessem os seus direitos. O grande problema da época era a desvalorização da mão de obra que construiu a força de trabalho no Brasil, pois no mercado de mão de obra livre, esta era considerada desqualificada.
          Com o fim da escravidão no Brasil, o período republicano vivenciado foi marcado pelo preconceito racial. Esse preconceito ficou mais perceptível no mercado de trabalho e nos lugares reservados para o lazer, fato este que acarretou aos afro-brasileiros optarem por lugares próprios, onde estes poderiam se socializar, se divertir, evitando assim cenas de constrangimento e discriminação racial. Esses ambientes deram origem a órgãos de combate ao racismo e em seu interior eram publicados jornais que além de fornecer informações sobre eventos também discutiam situações de preconceito, como relata Ferrara (1986):

Um órgão de protesto oriundo do tratamento desigual entre o grupo minoritário (negros) e o outro dominante (brancos), a imprensa negra reivindicava os direitos dos negros que se manifestam contra esse tratamento. Por outro lado, cabe a essa imprensa fazer com que o negro supere a sua passividade e o seu conformismo, assim os jornais teriam a função de socializar, integrar e controlar o grupo negro. (FERRARA, 1986, p. 196-197)
 
          Os jornais negros passaram a representar uma crítica às manifestações de preconceito que a sociedade praticava e segundo Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010 p.174) procuravam incutir nos/as negros/as valores e crenças sociais compatíveis à integração desse segmento à ordem social e econômica burguesa. Nesse contexto foi criada a Frente Negra Brasileira (1931 – 1937), na cidade de São Paulo, que teve um papel de divulgadora da política antirracista, conquistando sócios no Estado e em outras regiões brasileiras. Seus líderes passaram a ser denominados como Elites Negras e eram cidadãos que exerciam funções liberais e possuíam maiores níveis educacionais. Contudo, os integrantes eram trabalhadores manuais e empregados em funções de menor representação. A manutenção da organização era realizada por recursos próprios, seus membros pagavam mensalidades e suas atividades eram fruto de trabalho voluntário.
           O propósito da Frente Negra Brasileira (FNB) era garantir a proteção das pessoas desamparadas. As mulheres exerciam um papel de destaque, pois eram responsáveis pela formação educacional. Ela exercia a posição de espaço de participação política, segundo Domingues (2007, p.350) uma vez que tanto políticas de base popular quanto os partidos da elite não incluíam em seus programas a luta a favor da população negra. Sua herança para os movimentos sociais do país foi uma visão rigorosa de igualdade.  O sociólogo Florestan Fernandes, segundo Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010, p.177) afirmou que o movimento negro brasileiro modernizava os valores da sociedade, pois visava a transformações de caráter eminentemente democrático.
          Por motivos políticos houve a dissolução da Frente Negra Brasileira, com isso a dispersão das formas de mobilização política negra no período dos anos 1930. Porém, com o fim da Ditadura Vargas, o governo de Getúlio Vargas,
http://www.suapesquisa.com/vargas/, o movimento reascende e aparecem novas formas de mobilização no Brasil e de forma pública. O conceito de “raças”, como objeto de classificação de grupos humanos passou a ser visto como algo a ser abolido, pois já havia sido comprovado que este era nocivo a sociedade. Assim:
É justamente contra esse pressuposto e suas manifestações discriminatórias que se reergueram formas coletivas de combate ao racismo em meados dos anos de 1940, quando o regime político oferecia mais abertura para as manifestações civis. (Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR, 2010, p.179)


           Nesse mesmo contexto surgem duas organizações que representaram uma forte expressão política:
  •  A União dos Homens de Cor (UHC): com o mesmo esquema de sobrevivência das organizações anteriormente citadas, eram compostas por pessoas de autoridade local ou que ocupavam posições influentes na sociedade, ou indivíduos que buscavam um status político.  O objetivo era tornar visível a questão do preconceito racial, assim, suas ações visavam à proteção social e a publicação de atos de discriminação racial.

  •   Teatro Experimental do Negro (TEN): uma organização que por meio do teatro, da arte, valorizava a identidade, reconhecia a ancestralidade africana tendo como foco a inserção do negro brasileiro na comunidade econômica e política do país. Produziu diversos espetáculos, e à medida que este foi se tornando sólido, as peças que abordavam a cultura afro-brasileira ganharam cada vez mais espaço. Segundo NASCIMENTO e LARKIN (2000, p. 206) o TEN... Assumia e trabalhava sua identidade específica, exigindo que a diferença deixasse de ser transformada em desigualdade.

           O TEM, não foi responsável apenas por produzir espetáculos, revelou grandes artistas negras como Léia Garcia, que como relata o site http://www.museudatv.com.br/biografias/Lea%20Garcia.htm foi escolhida pelo Guilford College, dos Estados Unidos, como uma das dez mulheres do século 20, que mais contribuíram para a luta pelos direitos humanos e civis do mundo e Ruth de Souza que segundo http://pt.wikipedia.org/wiki/Ruth_de_Souza abriu caminho para o artista negro no Brasil, tendo sido a primeira atriz negra a subir ao palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Porém além das atividades teatrais, as mulheres negras ainda participavam de outras atividades como ativistas, assim como mostra o seguinte caso:
A assistente social Maria de Lurdes Vale do Nascimento foi responsável por diferentes atividades no interior da organização. Coordenou o departamento feminino e gerenciou o jornal Quilombo, onde possuía sua própria coluna: “Fala a Mulher”. Além desses feitos, em 1950 fundou o Conselho Nacional das Mulheres Negras, um dos braços do TEN, responsável por focalizar as questões relacionadas ao feminino e à infância. Sua estrutura contava com um departamento jurídico voltado para ajudar a população negra a cumprir os requisitos sitos básicos de cidadania, tais como a obtenção de certidão de nascimento e carteira de trabalho, além de fornecer apoio jurídico.
                                                                   (Schumaher e Brasil, 2007)

 
           Assim como a FNB, foi dissolvida durante o período do Estado Novo e suas lideranças exilaram-se no decorrer deste. Segundo SEYFERTH (1983) o mais recente ciclo de mobilização negra gestou-se na década de 1970, cujos impactos se fazem reverberar na atualidade, particularmente a nova perspectiva identitária adotada pela militância.  A identidade negra passou a ser construída e cultivada em locais de sociabilidade e lazer, ambientes frequentados por negros, os clubes negros, onde existia uma classe média, com famílias em processo de ascensão social e também eram a oportunidade de lazer de muitos jovens negros que não possuíam recursos.
          A geração que formou o movimento negro brasileiro foi altamente influenciada pelas lutas de libertação de nações africanas e pelas lutas por direitos civis. Esta geração estava marcada pelo estilo do cabelo, pelas roupas coloridas, pelo estilo musical e as mulheres negras deixaram de lado as maquiagens clareadoras de tons claros, o batom vermelho passou a ser a preferência. Assim, segundo Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010, p.183) o movimento, antes de apresentar-se na cena pública como uma articulação de combate ao preconceito e às desigualdades
raciais, encenava uma nova performance estético-política impressa nos corpos.
          Os jovens negros que conquistaram o seu lugar nas universidades passaram a realizar suas reuniões em ambientes que resistiam ao regime. Eles colocavam em questionamento a identidade nacional e reforçavam a existência de um verdadeiro mito quanto à democracia racial no país. Foi formado o Movimento Negro Contra a Discriminação Racial, composto por negros e representantes de minorias como os judeus.
          O movimento trouxe o conceito de classe para as discussões raciais, utilizavam o jargão Raça e Classe.  Os ativistas e as suas lideranças optavam por recriar os símbolos, as categorias, as estratégias das lutas de outras nações ao invés de copiá-las, as adaptava a realidade brasileira. Uma prova disso, é que segundo HANCHARD (2001)... pesquisadores/as estrangeiros/ as, ao analisarem as mobilizações antirracistas nacionais, decepcionam-se por elas não tomarem como modelos ações bem sucedidas da luta pelos direitos civis. Apoiando-se nos setores antirracistas, o movimento legitimou-se e outras alianças, como o movimento feminista, foram seladas pelo movimento negro, principalmente pela batalhas das mulheres negras, que se tornaram protagonistas em lutas contra o racismo e o sexismo. Porém, Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010 p. 184), afirma que a militância feminina negra construiu suas bases ideológicas em diálogo constante com esses e os demais movimentos sociais.
           As mulheres negras, como já foi citado, estiveram presentes de forma atuante no movimento negro, mas estas tinham dificuldades em conseguir espaço para alcançarem posições como as de dirigentes das organizações políticas negras. DOMINGUES (2005) afirma que embora a presença dessas mulheres nos ciclos de insurgência do movimento fosse significativa, muitas vezes restringia-se aos bastidores. A mudança dessa realidade aconteceu de forma singular nos anos de 1980 através da construção de coletivos e associações políticas pertencentes a elas.  Mas antes da formação do movimento de mulheres negras começou a criar-se um pensamento crítico em relação às relações sociais que tornavam inviáveis a sua participação e atuação na sociedade.
          Duas mulheres negras passaram a pensar a questão dos efeitos que o racismo acarreta na população negra, levando em consideração seus prejuízos às mulheres:
  •  Beatriz Nascimento (1942 – 1995): enxergava o negro como participante da construção histórico-social do Brasil. A mulher negra, para ela, enfrentava os mesmos problemas de ser integrante de um grupo que é racialmente discriminado, desde o período da escravidão. Sobre elas ainda afirma que:

Seu papel como trabalhadora, a grosso modo, não muda muito. As sobrevivências patriarcais na sociedade brasileira fazem com que ela seja recrutada e assuma empregos domésticos, em menor grau na indústria de transformação, nas áreas urbanas e que permaneça como trabalhadora nas rurais. Podemos acrescentar, no entanto, ao que expusemos acima, que a estas sobrevivências ou resíduos do escravagismo, se superpõem os mecanismos atuais de manutenção de privilégios por parte do grupo dominante (NASCIMENTO, 1976 Apud RATTS, 2006:105)
 
  •  Lélia Gonzalez (1945 – 1994): uma intelectual negra que expressou de forma brilhante a redemocratização, pois esta mostrou o pensamento negro baseando-se nas categorias primordiais de raça, classe e sexo. No ano de 1981, segundo Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010 p. 191) ela escreve o artigo “A questão negra no Brasil” para os Cadernos Trabalhistas. Nele, a influência marxista é flagrante, especialmente no que diz respeito à explicação da exploração da classe proletária. Nele, ela também mostra a maneira como o racismo se manifesta nas relações sociais, estabelecendo uma diferença entre negros e brancos, dando privilégios a este último. Assim:
Tanto negros como brancos pobres sofrem os efeitos da exploração capitalista. Mas na verdade, a opressão racial faz-nos constatar que mesmo os brancos sem propriedade dos meios de produção são beneficiários do seu exercício.
Claro está que enquanto o capitalista branco se beneficia diretamente da exploração ou super exploração do negro, a maioria dos brancos recebe seus dividendos do racismo, a partir de sua vantagem competitiva no preenchimento das posições que, na estrutura de classes, implicam nas recompensas materiais e simbólicas mais desejadas. (GONZALEZ, 1986, p.64)

 
           Gonzalez, também criticou as posições em que as mulheres eram retratadas na cultura, em representações como as de mucama, mãe preta, atualmente como empregadas domésticas, mulata e babá. Segundo ela (1982 p.97) ser negra e mulher no Brasil, repetimos, é ser objeto de tripla discriminação, uma vez que os estereótipos gerados pelo racismo e pelo sexismo a colocam no mais baixo nível de opressão. Porém também criticava o movimento negro por se preocupar em demasia em manter posições machistas. Gonzales (1988, p. 53) defendia que tratar, por exemplo, a divisão sexual do trabalho sem articular com seu correspondente em nível racial, é recair em uma espécie de racionalismo universal abstrato, típico de um discurso masculino e branco. Assim ofereceu ao movimento de mulheres que buscasse avançar na discussão étnico-racial.
          Com o objetivo de dar uma maior visibilidade às suas questões, ao constatar que poderiam criar uma agenda própria, as mulheres formaram os primeiros coletivos femininos entre 1980 e 1990 e com o passar do tempo, foram se institucionalizando. Assim sendo:
Esses novos sujeitos coletivos são fortalecidos a partir de incentivos e experiências adquiridas tanto no âmbito nacional como internacional. No primeiro, inscreve-se uma disputa por participação política em esferas civis e estatais, ampliadas no contexto de abertura institucional. O segundo esteve atrelado aos processos de mobilização em conferências internacionais, várias delas estudadas neste Curso e, posteriormente, por intermédio de auxílios de agências financiadoras estrangeiras. (ROLAND, 2000)

            É preciso salientar que as Agências Financiadoras Estrangeiras, são organizações e agências internacionais que contribuem financeiramente para sustentar organizações e movimentos sociais em atividade no Brasil. Um dos principais problemas enfrentados pela organização das mulheres negras, enquanto entidade autônoma, foi no período da formação do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, no ano de 1984. Na ocasião não havia nenhuma mulher negra na comissão. Este fato evidenciou a necessidade da participação das mulheres negras na política para dar ênfase as suas lutas. Nesse contexto, segundo CARNEIRO, SANTOS e COSTA (1985) a presença das mulheres negras nesses espaços, propiciou a produção de diagnósticos de desigualdade racial e de gênero em diferentes instâncias da vida social, como nas áreas de educação, trabalho e política. Vale ressaltar um trecho de um artigo de Sueli Carneiro que relata as principais conquistas das mulheres brasileiras:
Esse movimento destaca-se, ainda, pelas decisivas contribuições no processo de democratização do Estado produzindo, inclusive, inovações importantes no campo das políticas públicas. Destaca-se, nesse cenário, a criação dos Conselhos da Condição Feminina – órgãos voltados para o desenho de políticas públicas de promoção da igualdade de gênero e combate à discriminação contra as mulheres. A luta contra a violência doméstica e sexual estabeleceu uma mudança de paradigma em relação às questões de público e privado.
A violência doméstica tida como algo da dimensão do privado alcança a esfera pública e torna-se objeto de políticas específicas. Esse deslocamento faz com que a administração pública introduza novos organismos, como: as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deams), os abrigos institucionais para a proteção de mulheres em situação de violência; e outras necessidades para a efetivação de políticas públicas voltadas para as mulheres, a exemplo do treinamento de profissionais da segurança pública no que diz respeito às situações de violência contra a mulher, entre outras iniciativas.
(CARNEIRO, 2003: 117)
 
           O movimento das mulheres negras sentia a necessidade de manter suas indagações a respeito de buscar políticas que atendessem a necessidades específicas das mulheres negras, visto que estas diferentemente das demais mulheres, ainda sofriam com o problema do racismo.  Pensando Nessa perspectiva, segundo dados de Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010) foi realizado em 1984, “I encontro Estadual de Mulheres Negras”, Que tinha como objetivo construir uma identidade coletiva para a mulher negra e pensar estratégias de ação em prol necessidades destas. O Encontro Nacional de Mulheres Negras realizou-se no ano de 1988 e ainda segundo Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010. P. 197) Do ponto de vista do ambiente internacional, as conferências mundiais foram fundamentais para a articulação do movimento feminista de modo geral, e para o movimento feminista negro em particular.
           Assim, com o passar dos anos, o movimento das mulheres negras foram conquistando muitas batalhas como já foram amplamente citadas e discutidas em outras unidades.  Porém vale abordar ainda que durante o processo de institucionalização surgiram organizações como Maria Mulher, Geledés, Criola,
Casa de Cultura da Mulher Negra, Mãe Andresa, Fala Preta, dentre outras, como salienta Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010). Estas ofereciam desde oficinas de estéticas a cursos profissionalizantes e as oficinas tinham como foco valorizar a beleza negra, forneciam também além da à formação destas mulheres, apoio e atividades de incentivo a denúncia da discriminação racial, a violência doméstica e a defesa dos direitos do ser humano.
           O movimento negro contemporâneo assumiu uma nova marca ideológica, onde busca a reivindicação por direitos civis, sociais e o reconhecimento cultural. Em outras palavras:
O movimento negro exerce uma ação marcada, sobretudo por um discurso que reivindica o pleno reconhecimento da cidadania do negro, baseado na preservação e valorização das tradições culturais de origem africana, na reinterpretação da história e na denúncia de todos os fatores de desenraizamento e de alienação que atingem a população negra. (D’ADESKY, 2001: 151)


           Segundo Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010), essa cidadania que o movimento negro busca não está circunscrita à dimensão material, e sim ao patrimônio cultural. Assim, ela visa uma melhor distribuição de recursos para diminuir as desigualdades sócio-econômicas entre brancos e negros. Por outro lado também luta pelo reconhecimento da comunidade afro-brasileira como contribuintes no processo de formação do Brasil. Dessa pressão, surgiram as secretarias e os conselhos que tinham como missão receber e gerir as necessidades dos afro-brasileiros e foram os primeiros ambientes estatais de absorção voltados para as lideranças negras. Segundo Rios (2009) favorecendo formação de uma militância profissional com
experiência em gestão pública e conhecedora dos meandros burocráticos do Estado.
           Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010) relata que a primeira vez que essa experiência aconteceu na história do Brasil foi à ocasião da criação do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Estado de São Paulo, em 1984. Tal fato impulsionou a implantação de conselhos municipais em vários estados brasileiros. Dois processos foram fundamentais para a mobilização coletiva negra:
  • Centenário da abolição: ocorrido em 13 de maio de 1988, foi o momento escolhido pelo movimento negro para questionar a postura do Brasil referente às relações raciais em seu território. Como já foi abordado em outras unidades, o Brasil era visto e se enxergava como uma nação regida pela democracia racial, mas a realidade era diferente. Outra reivindicação era contra as comemorações ao dia da Abolição da Escravatura, pois o movimento assinalava que a Lei Áurea era inconclusa. Assim, começou uma luta para celebrar outra data, o dia 20 de novembro, atualmente conhecida como Dia Nacional da Consciência Negra, é uma data especial por ser o dia da morte de Zumbi dos Palmares, um quilombola, exaltado como herói negro da luta contra a escravidão em território brasileiro. Segundo SILVEIRA (2003) tratava-se de uma proposta iniciada pelo Grupo Palmares do Rio Grande do Sul e que fora acampada pelo Movimento Negro Unificado.



  •  A elaboração da nova Constituição da República: foi o marco do ponto alto da mobilização negra, pois esta se fez representar no texto constitucional (1988). Com isso foi aberta uma agenda de ações voltada para o ativismo negro e seus principais objetivos eram criar políticas que atendessem as necessidades da população negra.

           Com essa nova força do movimento negro, a militância política percebeu que era necessário realizar o I Encontro Nacional de Entidades Negras. O evento aconteceu no ano de 1991, na cidade de São Paulo e permitiu colocar em evidência o acúmulo de forças e de vivências de ativismo, que o movimento negro adquiriu nos anos de lutas anteriores. Assim, com o passar do tempo, o movimento negro configurou-se em associações civis.
          Na realidade, o ideal do movimento negro almeja uma reforma democrática em prol da igualdade de direitos e do multiculturalismo, o pluralismo étnico-racial. Igualdade de inserção em instituições públicas e privadas, e a minimização das desigualdades raciais no trabalho, na educação e na saúde. Como relata Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010) as demandas por terras quilombolas, a inserção de história da África e dos/as afro-brasileiros/ as no currículo escolar, e o fortalecimento das práticas culturais dos afro-brasileiros/as (como candomblés, congada e a e capoeira), são reivindicações das lutas antirracistas no Brasil.
          Quanto à inclusão da cultura afro-brasileira no currículo escolar, segundo informações obtidas em http://igualitariosmsul03.blogspot.com/2011/11/lei-que-tornou-obrigatorio-em-todas-as.html é possível constatar que hoje é uma realidade no currículo presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN-9394/96):
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.

"Art. 26-A.  Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3o (VETADO)"
"Art. 79-A.  (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
        Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de  10.1.2003
Disponível em:
Acesso em: 06 nov.2011
(http://igualitariosmsul03.blogspot.com/2011/11/lei-que-tornou-obrigatorio-em-todas-as.html)

 
           A baixa representatividade negra na política e o pequeno número de políticos com interesse em lutar pelas necessidades negras fizeram com que o movimento negro buscasse atuar com mais firmeza com o objetivo de introduzir o tema racial na disputa institucional no Brasil. Isso aconteceu, após o ano de 1995, segundo Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010, p. 213-214), em decorrência da Marcha do Tricentenário da Morte de Zumbi. Estima-se que cerca de 30 mil pessoas caminharam em rememoração aos 300 anos de morte do herói quilombola. A marcha tinha como lema: “contra o racismo, pela cidadania e a vida” e terminou com o encontro entre o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (http://en.wikipedia.org/wiki/Fernando_Henrique_Cardoso) e a Comitiva Nacional do Movimento, onde foi entregue um Documento Formal com as reivindicações, denúncia do racismo e a defesa da inclusão de negros na sociedade brasileira de forma efetiva e apresentava também propostas de políticas públicas. Em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010, p. 214) Edson Cardoso traduz essa momento da seguinte forma:

Chegamos aqui após percorrermos um longo caminho e acreditamos que a partir desse momento a questão racial deixa de ficar no confinamento do cultural, onde o estado intervém no carnaval liberando verbas para o desfile de bloco. O que a marcha veio exigir da representação política do estado brasileiro é que o orçamento da união defina recursos explicitamente para superar as desigualdades raciais no campo da educação, no campo da saúde, da comunicação e do emprego. (Depoimento de Edson Cardoso extraído do documentário da Marcha de Zumbi dos Palmares de 1996.)

           O Movimento no centenário da abolição, no âmbito Federal, conquistou a construção da Fundação Palmares, um órgão que segundo informações obtidas em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR (2010, p.214) ligado ao Ministério da Cultura, o qual canaliza demandas do movimento ligadas à dimensão cultural, não enfrentando, assim, os problemas de desigualdade.  A Marcha teve um caráter ousado, sua intenção era fazer uma proposta ao Estado para enfrentar as desigualdades raciais e para isso seria necessária a destinação de verbas que atendessem a essa demanda. Como resultado, a Marcha teve o decreto presidencial que fundava o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que visava promover políticas voltadas para a valorização da população negra.
          Outro programa importante para o enfrentamento da questão racial foi o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH I), no ano de 1996. A proposta mostra um Governo disposto a se comprometer de realizar estratégias e ações que visem combater as desigualdades raciais através de políticas que atendam a população negra.  A questão educacional, já citada acima, foi um grande avanço nas lutas pelo reconhecimento da cultura, o país tem buscado oferecer cursos que formem profissionais das relações étnico-raciais, que combatam o preconceito racial na cultura vista como formal. A Secretaria Para Promoção da Igualdade Racial (SEP-PIR) também é outra ação de destaque, pois envolve os ministérios e outros órgãos do Executivo, em função de garantir a transversalidade dessas políticas de combate, além de atuar nos âmbitos federal, estadual e municipal.
          Sendo assim, enquanto gestor é possível compreender e aplicar que os movimentos sociais vivem uma nova fase política passou por diversas transformações para chegar ao estado que se encontra hoje, mas ainda falta a real efetivação destas conquistas. Ainda é possível encontrar pessoas nas ruas que acreditam que o Brasil vive uma verdadeira democracia racial, que em solo nacional não existe racismo, porém sabe-se que isso não é verdade. Pensando no âmbito educacional pode-se fazer referência a um gestor de uma instituição de ensino e sua função pode de ser delimitada aqui como um papel de incentivador e co-responsável pela criação de políticas públicas internas na escola. Cabe a ele, movimentar a instituição, junto com o corpo pedagógico a não deixar que as questões raciais só sejam retratadas no mês de novembro, nas vésperas do Dia da Consciência Negra.
           Enquanto educador de Ensino Fundamental I, trazer para a sala de aula a literatura de Monteiro Lobato, atualmente criticado como relata o site http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI185574-15220,00.html por sua forma de retratar os negros e houve propostas para tirar seus livros das escolas. Porém existe o outro lado da questão: se as os obras de Lobato, são realmente racistas, na busca por um melhor caminho de combate ao racismo, não existem obras melhores que as do autor para trabalhar a questão racial. As crianças adoram essas obras e retirá-las seria perder a oportunidade de retratar situações de racismo na linguagem delas, de forma que estas entendam e principalmente assimilem com situações do seu cotidiano.
           É preciso, tanto como gestor, quanto educador transformar a escola em um ambiente que permita ao aluno sentir-se livre para evidenciar sua identidade. Desenvolver projetos, efetuar ações para que estes não se sintam diferentes no sentido de desiguais, mas que toda a comunidade escolar perceba que não se tratam de diferenças e sim de características individuais, frutos de sua cultura ou genética que precisam ser exaltadas tanto como as demais, pois como já foi dito o Brasil é um país multicultural, em seu território existem povos de diversas origens, frutos de imigração e assim a mistura de raças, tão temida por antigos racistas citados acima, compôs a sociedade brasileira. O resultado disso é um povo alegre, diferente em suas características físicas, porém dotados de capacidades, direitos e deveres iguais legalmente adquiridos.          
           A escola é o lugar de exaltar as diferenças culturais presentes na sociedade, de engrandecer a importância que cada povo teve na construção dessa nação, sem fazer distinção de tamanho de contribuição, pois é evidente que ao mesmo tempo em que alguns povos fizeram grandes feitos estes mesmos também causaram grandes estragos e ajudaram a construir a cultura racista. Pensando assim é possível compreender que todos contribuíram de certa forma de maneira significativa para a construção da sociedade brasileira.
           Na realidade, para concluir é preciso salientar que o governo precisa entender a necessidade de desenvolver políticas públicas e projetos educacionais que verdadeiramente coloquem os seres humanos em situação de igualdade, com as mesmas oportunidades, desenvolver um respeito mútuo e uma valorização a cultura do outro. É na escola que as crianças têm um contato maior e direto com diferentes culturas, por isso, é ela o melhor lugar para exaltar a importância do multiculturalismo brasileiro para construção de uma sociedade que exerça de forma efetiva uma democracia racial. Mas se por um lado a educação é considerada o meio mais eficaz de combate as desigualdades, por outro, ela não recebe a atenção que realmente necessita no país, assim fica evidente que ainda precisa-se lutar muito para construir um Brasil que realmente viva uma democracia racial.




Referências bibliográficas

BASTIDE, R. A imprensa negra do Estado de São Paulo. In: Estudos Afro-Brasileiros. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973, p. 129-156

CARNEIRO, S. Mulheres em Movimento. Estudos Avançados. São Paulo, v. 17, n. 49, set./dez. 2003, p. 117-133. 

CARNEIRO; SANTOS, T.; COSTA, A. G.. O. Mulher Negra / Política Governamental e a Mulher. São Paulo: Nobel/Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985. 

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 2005. p.

DOMINGUES, P. A insurgência de ébano: História da frente negra brasileira (1931-1937). 2005. 341 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, USP, São Paulo, 2005. 

_____________. Frentenegrinas: notas de um capítulo da participação feminina na história da luta anti-racista no Brasil. Cadernos Pagu. Campinas, n. 28, jan. / jun. 2007, p. 345-374. 

FERRARA, Miriam Nicolau. A imprensa negra paulista (1915 – 1963). Boletim FFLCH. São Paulo, 1986. (Coleção Antropologia, n. 13). 

Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça/GPP – GR: módulo III/ Orgs. Maria Luiza Heiborn, Leila Araújo, Andreia Barreto. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: Secretaria de Políticas para Mulheres, 2010.238p.

GONZALEZ, L. A mulher negra na sociedade brasileira. In: LUZ, M. (org.). Lugar da Mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p. 87-106. (Coleção Tendências, 1).

______. As relações raciais no Brasil após a abolição. 1986.

______. Por um afrolatinoamericano. Mujeres, crisis y movimiento: América Latina y el Caribe. Santiago: Isis Internacional, v. 8, 1988.

HANCHARD, M. Orfeu e o poder: o Movimento Negro no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1988). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001.





http://www.suapesquisa.com/vargas/ Acesso em: 22 nov. 2011

NASCIMENTO, B. A mulher negra no mercado de trabalho. In: RATTS, A. (org.). Eu sou Atlântica. São Paulo: Instituto Kuanza e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. 
______. Negro e o Racismo In: RATTS, A. (org.). Eu sou Atlântica. São Paulo: Instituto Kuanza e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. 

RIOS, F. M. Institucionalização do Movimento Negro no Brasil Contemporâneo, 2009. 168f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – FFLCH/USP, São Paulo, 2009.

ROLAND, E. O Movimento de Mulheres Negras Brasileiras: desafios e perspectivas. In: GUIMARÃES, A. S.; HUNTLEY, L. (orgs.). Tirando a Máscara – Ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 237-256. 

SCHUMAHER, S.; BRAZIL, É. V. Mulheres Negras do Brasil. Rio de Janeiro: SENAC, 2007.

SILVEIRA, O. Vinte de Novembro: história e conteúdo. In: SILVA, P. B. G.; SILVERIO, V. R. (orgs). Educação e Ações Afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília-DF: MEC/INEP, 2003.




Por: Arine Rodrigues Alves

Nenhum comentário:

Postar um comentário